O Elevador

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Por Ravenata


Desde que se mudara para aquele prédio, há cerca de dois meses, Taís nunca havia se sentido verdadeiramente tranquila no percurso de volta para casa. O horário de saída do trabalho não era dos melhores e a nova vizinhança não era das mais amigáveis, mas ela vinha se adaptando sem grandes incidentes às novas circunstâncias...

Sim, ela vinha. Até a madrugada anterior.

"Por que diabos fui abrir a boca", pensou antes que pudesse evitar. Àquela altura, porém, remoer os fatos recentes lhe seria somente prejudicial. Àquela altura, tanto melhor estar alerta que perdida em pensamentos.

Inspirou profundamente o ar (um pouco menos) estagnado da portaria e entrou no elevador. Desta vez, ninguém entrou com ela. Apertou o botão com o número oito quase apagado – o "três"que ficava entre o sete e o nove – e apenas subiu naquela máquina barulhenta. Por sorte, seu cérebro de lagarto funcionava a contento e nem os solavancos da caixa apertada lhe perturbaram a mente. Estava calma e lidaria da melhor forma possível com a situação que encontrasse, fosse ela qual fosse.

O elevador parou e Taís desceu. Deu dois passos – tomp! tomp! O som das botas sempre ecoava naquele corredor vazio – e aguardou um último segundo antes que as luzes automáticas se acendessem. Observou: Ninguém ali fora. Caminhou até sua porta, tirou o chaveiro do bolso, encaixou a chave tetra na fechadura. Girou-a devagar, ouvindo o barulho. Na porta logo ao lado, alguém repetiu esses movimentos, porém de dentro para fora. Taís puxou de volta a chave e, ainda lentamente, agitou o molho procurando a chave seguinte, a da fechadura menor. Tempo de sobra para que a pessoa da porta ao lado a abrisse. Mas não.

A voz da mulher gritou à distância, de dentro do apartamento vizinho:

"Não faz isso, eles são pessoas 'de bem'!"

Taís destravou a segunda fechadura.

O homem, uma voz logo ali, respondeu à voz distante da mulher:

"E daí?"

Taís empurrou sua porta empenada, arrastando-a um pouco pelo chão, e entrou. Fechou-a com o tranco de sempre, encaixou a chave tetra na fechadura e, tal como antes, girou-a lentamente. Bem lentamente. Somente então ouviu a porta ao lado se abrir. Em silêncio, ela acompanhou os passos de alguém que caminhava em direção à lixeira do prédio, puxando o catarro do fundo dos pulmões e em seguida cuspindo lá dentro.

Ele só queria intimidá-la. Não havia conseguido.

Tomada de euforia, Taís flutuou de cômodo a cômodo do apartamento, acendendo as luzes e apreciando aquele lugar, o "seu cantinho". Era a primeira vez que morava sozinha, e sentimento algum lhe era mais querido que o de liberdade. Um sorriso corria de ponta a ponta em seu rosto, e o pulso acelerado era resultado não somente da adrenalina, mas também da mais completa satisfação pessoal.

Ainda extática, puxou o smartphone da bolsa (o teclado destravado, precavida que era) e chamou o último número discado, o do celular de seu pai. Queria lhe contar que estava tudo bem – que, veja só!, ela sabia se cuidar e ele não precisava se preocupar, afinal. O pai atendeu logo ao primeiro toque.

"Tá em casa, filha? Tá tudo bem?", disparou a voz ansiosa do outro lado da linha.

De súbito, Taís perdeu o fôlego.

"Pai..."

Tanto a dizer, e ela não conseguia articular as palavras.

"Taís, o que houve, minha filha? Fala comigo!"

Silêncio. Já não se lembrava do que queria dizer há poucos minutos. Com a respiração bem rasa, ela juntou o ar que podia, somente o suficiente para dizer que...

"Pai... Quero voltar pra casa".

E o choro que se seguiu foi inexplicável e entrecortado por soluços.

EscritonautasWhere stories live. Discover now