Amor de Criança

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Quantas vezes eu os vi no vestiário da nossa escolinha de dança, às terças-feiras, depois da aula!

Ela chegava, empurrava os bancos para perto dos armários, limpava o rosto. Então tirava as sapatilhas de salto de balé. Sentava-se no chão e esperava por ele.

Elisa era a bailarina mais bonita da escola. Tinha apenas dezessete anos, e eu, no auge dos meus nove anos recém-completados, dizia-lhe sempre: Quando eu crescer, quero ser como você.

Mas não havia qualquer chance de isso acontecer. Enquanto eu era loira demais, ela exibia longos cabelos negros. Seus olhos eram azuis e lindos e eu não conseguia me livrar de meus óculos fundo-de-garrafa, as lentes espessas e quase opacas, que escondiam o meu rosto. Ela, longilínea, elegante e leve como o ar, eu, desengonçada e pequena demais para que a minha beleza decidisse, enfim, dar as caras.

Lembro-me da primeira vez em que vi Jean na grande sala de dança. Lindo como um artista de cinema. Ele acompanhava nossos movimentos com a mão direita, como um verdadeiro maestro. Conversando com a nossa professora, ele nos observava por seus indecentes olhos negros.

Não durou mais de um segundo, mas ele lhe tocou o rosto. A professora era jovem, só alguns anos mais velha do que Elisa. Quando ele saiu do salão, eu o segui até o vestiário. Ali, ele já dançava com a minha preferida, a um ritmo sem música mas cheio de tempo. Ele lhe sussurrava qualquer coisa ao ouvido, qualquer coisa que a fazia rir, que a deixava feliz.

Eu não sabia de quem tinha mais ciúmes. Se dele, que havia roubado o meu amor de criança ou se dela, que um dia roubaria o meu amor de menina.

_ É Luísa, ela disse. Luísa de quem te falei, minha pequena Luísa!

Ele riu. Eu era certamente risível com os meus óculos profundos.

_ Venha.

Ele me pegou pela mão e dançou comigo. Depois me deixou para dançar com ela. Resignei-me, gentil e quase adulta, e assim conquistei o direito de observá-los toda terça-feira.

Mas foi dessa primeira dança que me lembrei primeiro quando, alguns meses depois, encontrei Elisa sozinha no vestiário. Era terça-feira mas ele não tinha vindo. Elisa começou a dançar. Dançava sem parar, como se quisesse se libertar de tudo.

E depois de muito rodar, caiu no chão. Já não lembro mais se corri até ela ou se foi a moça da recepção quem veio. Mas escutei o seu nome, Jean, duas ou três vezes. As outras meninas, aquelas que eram mais velhas do que eu, diziam: Foi por causa de Jean.

Lembro-me do momento em que eles a tiraram de mim, lembro-me de esperar por ela durante milhares de terças-feiras, lembro-me dos boatos, Jean teria se casado com a nossa professora, Jean teria sofrido um acidente e morrido, Jean teria desaparecido. Seu rosto bronzeado, os olhos negros, os cabelos loiros. Quantas vezes acordei pensando que havia me transformado nele. Quantas vezes eu o procurei detrás de meu rosto e minha história, mas tudo o que vi foi Elisa.

E ainda assim não posso me queixar. Aos nove anos, já era sábia. Sabia que a gente pode morrer de amor.

História de M. no tempoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora