A Dama da Noite

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Now I'm my own enemy
I don't hear you now
Perfect tragedy
God bless us denial
(Count your last blessing – Sum 41)

Talvez ele não quisesse fazer mal a ninguém. Talvez. Na verdade, ninguém sabe ao certo o que aconteceu naquela noite. Alguns boatos rolaram, sim, mas nenhum foi forte o suficiente para se tornar realidade. Algumas pessoas disseram que uma garota saiu machucada daquele quarto. Já outras disseram que ele estava lá sozinho, fazendo o que sabia de melhor: passando despercebido pela sociedade.

É óbvio que ninguém é tão alheio a vida, mas ele era. Vivia pra lá e pra cá com um caderno debaixo do braço, anotando tudo o que acontecia ao seu redor. Certa vez, ele o deixou cair sem perceber. Há aqueles que juram ter visto fotos pornográficas. Outros, porém, juram que o que mais tinha naquele caderno eram retratos. Falados. Porém, todos os rostos não tinham bocas.

É estranho assimilar informações assim sem saber de todo o contexto, então preste atenção. Pois essa é uma história do maior e mais sangue frio assassino em série que já existiu nesse país.

***

Otávio mudou-se para o estado de São Paulo há pouco. Não conhecia ninguém, muito menos um bom lugar para tomar um café decente. Café, aquela bebida maravilhosa, doce, às vezes densa, que desce pela garganta, fazendo com que a sensação de satisfação seja automaticamente instalada em seu corpo. Assemelha-se, muitas vezes, com a sensação de transpassar uma afiada faca no dorso de um corpo, seja ele de um animal racional ou não. Pensamentos aleatórios, mas nem tanto assim nesse caso, são constantes na mente do rapaz. Mas muitos dias se passam sem que Otávio vá atrás de uma presa considerada como 'fácil'. Não era tão difícil se controlar, bastava concentração e um saco de pancada pendurado bem no meio de sua sala de estar.

Numa tarde nem tão quente e nem tão fria, Otávio aguardava uma ligação. Mas como nada ocorreu, decidiu sair sem um rumo definido. Os tênis já estavam a postos no canto da porta e o material também. Ele sabia que aquele ato meio suicida e meio sadomasoquista deveria ser executado o quanto antes. Não suportava o pensamento de que vidas ao seu redor não possuíam um propósito assim como o dele, era inadmissível. Por isso, ele precisava dar um jeito naquilo. Se não naquele dia, no próximo.

Em sociedade, Otávio se virava muito bem. De fato era um rapaz muito apresentável e bem apessoado. Suas roupas moldavam muito bem o corpo que possuía, desde a camiseta que se alinhava perfeitamente com os músculos de seus braços, até os tênis que não possuíam um centímetro a mais do que necessário. Era verdade que Otávio vivia indo às baladas mais cobiçadas da cidade onde morava, mas era atrás de um único objetivo: o seu.

Várias mulheres iam ao seu encontro. Algumas por conta própria, outras através de algumas doses que Otávio pagava a elas. Dizia que sempre gostara da estar em contato com o sangue dos outros, por isso escolheu a medicina para ser a sua profissão. Era mentira, é claro, mas não existia uma mentira melhor que se encaixasse naquelas circunstâncias. Algumas acreditavam de imediato, outras demoravam um pouco mais, mas todas, sem exceção, acreditavam. E o prazer de Otávio estava justamente nesse tipo de mulher. Inteligente, sagaz, perspicaz. Em sua mente, a faca já transpassava o corpo esguio daquele ser tão magnífico, mesmo que ele estivesse apenas no meio de uma conversa no momento.

Só de observar as suas possíveis vítimas, Otávio tinha um prazer enorme. Mas o seu prazer aumentava, mesmo, quando estava frente a frente com elas. Diante daqueles olhos tomados pelo pavor e por aquela boca que estava imobilizada com uma fita isolante, impedindo-a de gritar, espernear, pedir ajuda, ou seja lá o que for. Otávio era decisivo em cada passo que dava, fazendo com que nunca fosse descoberto. Tudo o que importava a ele era a estratégia do seu ataque. Tudo era meticulosamente calculado, desde a roupa a ser usada, até o método com que afiava a sua fiel companheira.

A Dama da NoiteWhere stories live. Discover now