Capítulo 3

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Aonde está você agora

Além de aqui dentro de mim?

Agimos certo sem querer

Foi só o tempo que errou

Vai ser difícil eu sem você

Porque você está comigo o tempo todo

(Trecho da música Vento no Litoral - Legião Urbana).


Escorado nas balaústres, encarei o céu estrelado e beberiquei mais do meu whisky.

Um lobo solitário e doente, uivando para a lua.

Não sei o que doía mais: estar cada vez mais convencido que, de fato, ela morreu; eu estar cobrando internamente por ela ter me abandonado, quando eu estava fazendo isso ou, o pior, o que me assombrava toda a noite: o medo de esquecê-la.

Eu me lembro.

De tudo.

De cada mínimo detalhe.

Nunca soube porque sou assim. Talvez tenha memória fotográfica. O fato é que um dos dias que mais amava me lembrar, era justamente como tudo começou...

"— Alemão! – chamou Breno e ergui minha cabeça num ângulo esquisito.

Olhando debaixo, suas narinas pareciam ainda maiores. Ele sacudiu meu uniforme, atrapalhando o nó que eu tentava dar em minha chuteira.

Eu odiava esse apelido, mas ele pegou depois que o professor idiota de Geografia havia me usado de exemplo quando falava sobre as partes do mundo e a etnia. Eu era o exemplo mais claro da Alemanha na turma.

— Fala narigão – rebati o fazendo estreitar os olhos.

Meus lábios esticaram num sorriso satisfeito por ter atingido meu alvo.

— Conhece aquela menina? – Sua cabeça sinalizou para a esquerda, onde tinha uma árvore meio avermelhada.

Estávamos fazendo um passeio ao parque e os professores nos olhando de longe. Todos brincando em grupos e eu e meus amigos íamos iniciar partidas de futebol, mas essa menina estava só. Sentada abaixo de uma grande árvore, ela passava as páginas de um livro tão distraída e parando, apenas para tirar algumas folhas que caíam sobre seu pequeno bloco de papeis.

Eu odiava ler. Já era obrigado a fazer isso na escola e em casa. Como alguém pode deixar de brincar para fazer isso, quando os adultos estão nos dando liberdade?

— Não, mas deve ser uma bobona por mexer com livro ao invés de ir brincar.

— Acho que ela se chama Mariane. Minha irmã estuda na mesma sala dela. Ela está na série abaixo da nossa. Chegou ontem na escola.

Se quisesse saber de qualquer coisa da escola ou de alguém, era só chamar o fofoqueiro do Breno.

— Vamos jogar, Breno. O que te importa a Mariana, cara de banana?

Eu era bom em arrumar apelidos, perceberam, né?

— É Mariane, não Mariana – rebateu e dei de ombros, olhando para ela.

Eu (não) me lembro [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora